Hanseníase no Brasil e no mundo: uma doença milenar ainda em evidência

Cris Collina
27/01/2025
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A hanseníase, também conhecida como lepra, é uma doença milenar que continua sendo um problema de saúde pública em muitos países, inclusive no Brasil.

Hanseníase no Brasil e no mundo: uma doença milenar ainda em evidência

Janeiro Roxo é o mês dedicado à conscientização sobre a hanseníase e o Dia Mundial de Luta Contra a Hanseníase é marcado anualmente no último domingo de janeiro.

A hanseníase, também conhecida como lepra, é uma doença milenar que continua sendo um problema de saúde pública em muitos países, inclusive no Brasil.

Embora os avanços científicos tenham proporcionado tratamentos eficazes, os desafios de diagnóstico precoce e o estigma social ainda persistem.

Neste artigo,  Marielly Herrera, a enfermeira especializada em controle de infecções hospitalares da Oleak, irá explorar os aspectos mais relevantes sobre a hanseníase, desde sua definição e formas de transmissão até dados de incidência e tratamentos disponíveis, com um enfoque em estudos recentes e estratégias para aumentar a visibilidade do tema.

Incidência no Brasil e no mundo

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 200 mil casos de hanseníase são diagnosticados anualmente em todo o mundo, com a maior concentração nos países tropicais e subtropicais.

O Brasil é o segundo país com maior número de casos registrados, ficando atrás apenas da Índia.

Em 2023, foram notificados aproximadamente 23 mil novos casos no Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde que emite Boletins Epidemiológicos que apresentam um panorama sobre a hanseníase no Brasil. O primeiro aborda a qualidade dos dados sobre a doença no período de 2019 a 2023 e o segundo estuda os casos de abandono de tratamento entre 2014 e 2023.

Regiões como Norte, Nordeste e Centro-Oeste apresentam as maiores taxas de incidência, frequentemente relacionadas às condições de pobreza e dificuldade de acesso aos serviços de saúde.

Mas afinal o que é a hanseníase?

É uma doença infecciosa crônica causada pelo Mycobacterium leprae, uma bactéria que tem predileção por infectar a pele, os nervos periféricos e, em casos graves, outras estruturas como olhos e mucosas.

Ela se manifesta de maneira insidiosa, podendo levar meses ou até anos para apresentar sintomas.

Por essa razão, é frequentemente diagnosticada em estágios avançados, especialmente em comunidades mais vulneráveis.

Como se transmite?

A principal via de transmissão é respiratória, através de gotículas expelidas por indivíduos infectados que ainda não iniciaram o tratamento.

Vale ressaltar que a doença possui baixa infectividade, e o contato prolongado e íntimo com pacientes sem tratamento é necessário para o contágio.

Além disso, cerca de 90% das pessoas possuem imunidade natural contra o Mycobacterium leprae.

Sinais e sintomas

A hanseníase (ou lepra) pode se manifestar de diversas formas na pele e em outros tecidos, dependendo da gravidade e do estágio da doença. Aqui estão as principais características visíveis:

  1. Manchas na pele:
    • As manchas podem ser esbranquiçadas, avermelhadas ou acastanhadas.
    • Geralmente acompanhadas de perda de sensibilidade ao calor, toque e dor.
  2. Lesões cutâneas persistentes:
    • Alterações na pigmentação.
    • Pele seca ou com descamação.
    • Úlceras que demoram a cicatrizar.
  3. Espessamento da pele e dos nervos periféricos:
    • Pode causar deformidades e perda de força muscular.
  4. Deformidades físicas em casos avançados:
    • Retrações ou encurtamentos dos dedos das mãos e dos pés.
    • Perda de sobrancelhas e cílios.
    • Lesões nos olhos, podendo levar à cegueira.

A doença é classificada em dois principais espectros: paucibacilar (número reduzido de lesões e baixa carga bacilar) e multibacilar (lesões mais disseminadas e alta carga bacilar). O tipo de hanseníase influencia diretamente o manejo e o prognóstico.

Essas características reforçam a importância de identificar e tratar precocemente a doença para evitar complicações.

Os sintomas da hanseníase variam dependendo do tipo e gravidade da doença. Os principais sinais incluem:

  1. Manchas esbranquiçadas ou avermelhadas na pele com perda de sensibilidade ao calor, dor e toque.
  2. Formigamento ou dormência nas mãos, braços, pés e pernas.
  3. Espessamento dos nervos periféricos, que pode levar à perda de força muscular.
  4. Lesões de pele persistentes que não cicatrizam e apresentam alterações de pigmentação.
  5. Deformações e incapacidades físicas em casos avançados, como retrações dos dedos das mãos e pés.

Diagnóstico

O diagnóstico da hanseníase é, em grande parte, clínico. Ele é baseado na avaliação das lesões cutâneas e no teste de sensibilidade tátil e térmica. Em alguns casos, exames complementares como a baciloscopia e a biópsia de pele podem ser necessários para confirmar o diagnóstico e determinar o tipo de hanseníase.

Marielly salienta que as Unidades Básicas de Saúde oferecem testes rápidos de diagnóstico da hanseníase desde 2022. O Brasil foi o primeiro país do mundo a ofertar esse tipo de diagnóstico em nível assistencial, de forma universal e no sistema público de saúde. Além dos testes rápidos, o Sistema Único de Saúde também oferta testes de biologia molecular (que exigem uma estrutura laboratorial avançada) nos Laboratórios Centrais de Saúde Pública (Lacen) de dez estados.

Tratamento

A hanseníase é tratável e curável com a Poliquimioterapia (PQT), um esquema de medicamentos oferecido gratuitamente pela OMS desde os anos 1980. O tratamento combina rifampicina, dapsona e clofazimina, sendo adaptado à classificação do paciente:

  • Paucibacilar: 6 meses de tratamento.
  • Multibacilar: 12 meses de tratamento.

Uma vez iniciado o tratamento, o paciente deixa de ser transmissor da doença, o que torna o diagnóstico precoce e o início imediato da medicação cruciais para o controle da hanseníase. Marielly salienta que diante do diagnóstico, é importante que a família do paciente seja avaliada também. Outro ponto importante é que caso o tratamento seja interrompido, a doença não é considerada tratada e com isso pode causar agravamento do quadro, sem contar que o transmissor segue contaminando mais pessoas.

Hanseníase e o estigma social

Apesar dos avanços no tratamento, o estigma social associado à hanseníase ainda é um grande obstáculo para o controle da doença. Em muitas comunidades, os pacientes enfrentam discriminação e exclusão social, o que frequentemente leva à negação dos sintomas e atraso na busca por atendimento médico. Campanhas de conscientização são fundamentais para reduzir o preconceito e promover a inclusão das pessoas afetadas.

Estudos e estratégias de controle e erradicação

Um estudo publicado na revista The Lancet, “Evidência de profilaxia pós-exposição à hanseníase em regiões altamente endêmicas” destaca a importância de medidas preventivas baseadas em imunização. Pesquisas em andamento exploram a eficácia de uma vacina derivada do Mycobacterium leprae, semelhante à vacina BCG utilizada para tuberculose. Os resultados preliminares mostram potencial para reduzir drasticamente a incidência da doença.

Outro estudo conduzido pela Universidade de São Paulo (USP),
Novas estratégias de busca ativa, determinantes clinicoimunobiológicos e definição de endemia oculta de hanseníase num município de baixa endemia (Jardinópolis, SP), revelou que a busca ativa de casos em comunidades endêmicas aumenta significativamente a chance de diagnóstico precoce, reduzindo as complicações e a transmissão.

A OMS estabeleceu a meta de eliminar a hanseníase como problema de saúde pública, definida como menos de 1 caso por 10 mil habitantes, mas muitos países, incluindo o Brasil, ainda não alcançaram esse objetivo. Estratégias para controle incluem:

  1. Diagnóstico e tratamento precoces.
  2. Busca ativa de casos em áreas endêmicas.
  3. Educação em saúde para combater o estigma.
  4. Pesquisa e desenvolvimento de vacinas.
  5. Capacitação de profissionais de saúde para identificar sinais precoces.

A hanseníase é uma doença antiga, mas ainda relevante, especialmente em países como o Brasil.

O enfrentamento desse problema passa pela combinação de diagnóstico precoce, tratamento eficaz e a quebra do estigma social.

Estudos recentes e iniciativas globais apontam para avanços promissores na erradicação da doença, mas o engajamento coletivo é essencial para transformar essa esperança em realidade.

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