Clostridioides difficile

Água e Sabão x Álcool em Gel: o que realmente previne surtos de Clostridioides difficile

Saiba por que a higienização com água e sabão é essencial é a prática recomendada para a prevenção de surtos de Clostridioides difficile

Cris Collina
05/09/2025
5 minutos de leitura

Nos hospitais, a higienização das mãos é a medida mais simples e eficaz para evitar a transmissão de microrganismos. Mas quando o inimigo é o Clostridioides difficile (C. difficile) — bactéria responsável por graves quadros de diarreia e colite associada ao uso de antibióticos — a escolha entre água e sabão ou álcool em gel pode definir o sucesso das medidas de prevenção.

Na rotina, o álcool em gel é recomendado. No entanto, em surtos ou após contato com fezes, a indicação é preferir água e sabão.

A controvérsia gira em torno de um ponto essencial: o álcool não elimina esporos — a forma mais resistente do C. difficile, capaz de sobreviver por semanas em superfícies e nas mãos.

A lavagem com água e sabão remove os esporos com maior eficácia do que a fricção alcoólica, ainda que não os inative. O álcool inativa microrganismos vegetativos, mas não esporos; já a lavagem não mata, mas remove mecanicamente esses esporos da pele. Por isso, enquanto o álcool em gel é prático no dia a dia, em situações de risco para C. difficile — como surtos e contato com pacientes infectados — apenas a lavagem correta das mãos com água e sabão é eficaz, conforme orientam a OMS e a Anvisa.

O CDC também cita a superioridade de sabão/água para remoção de esporos.

Vamos entender mais sobre o assunto com a enfermeira Viviane Bella, enfermeira especialista em prevenção de infecções. Boa leitura!

O que é o Clostridioides difficile

O Clostridioides difficile (antes conhecido como Clostridium difficile ou simplesmente C. diff) é uma bactéria anaeróbia, formadora de esporos, encontrada no ambiente e no intestino humano.

Em condições normais, a flora intestinal mantém o C. difficile sob controle. Mas quando o equilíbrio da microbiota é alterado — geralmente após o uso de antibióticos de amplo espectro — a bactéria pode se multiplicar de forma descontrolada.

O uso inadequado de antibióticos aumenta o risco de infecção por C. difficile. Por isso, a gestão criteriosa de antimicrobianos é um dos pilares da prevenção. O chamado antibiotic stewardship — conjunto de estratégias e práticas coordenadas dentro de hospitais, clínicas e outros serviços de saúde — promove o uso racional e responsável desses medicamentos.

Como ocorre a contaminação

A transmissão acontece principalmente de duas formas:

  • Contato direto com fezes ou superfícies contaminadas com esporos da bactéria;
  • Mãos contaminadas de profissionais de saúde ou visitantes, que podem levar o patógeno de um paciente a outro.

Os esporos são extremamente resistentes: podem sobreviver por semanas em superfícies hospitalares, roupas de cama, banheiros e até em equipamentos médicos.

Por isso, superfícies e objetos em áreas de pacientes com C. difficile devem ser limpos diariamente com desinfetante esporicida aprovado (ex.: produtos da Lista K/EPA) e novamente após alta ou transferência.

A limpeza ambiental esporicida é um pilar inseparável da higiene das mãos no controle dessas infecções.

Efeitos da infecção por C. difficile

Quando o C. difficile coloniza o intestino em excesso, libera toxinas potentes (toxina A e toxina B), responsáveis pelos sintomas:

  • Diarreia aquosa intensa e persistente;
  • Dor abdominal e cólicas;
  • Febre e mal-estar geral;
  • Desidratação grave.

Em situações mais graves, pode causar:

  • Colite pseudomembranosa (inflamação severa do intestino com formação de placas de fibrina);
  • Megacólon tóxico, com risco de perfuração intestinal;
  • Sepse e morte, especialmente em pacientes idosos, imunossuprimidos ou hospitalizados por longos períodos.

Por que é uma ameaça hospitalar

É uma das principais causas de diarreia associada ao uso de antibióticos no mundo.

A taxa de recorrência é alta: mesmo após tratamento, até 1 em cada 4 pacientes pode voltar a ter sintomas.

Os surtos em hospitais são difíceis de controlar justamente porque os esporos não são eliminados com álcool em gel. A prevenção exige higiene adequada das mãos (preferindo água e sabão em surtos/contato fecal), precauções de contato e limpeza esporicida das superfícies.

O que dizem os estudos científicos

Pesquisas comparativas confirmam que a lavagem com água e sabão é mais eficaz do que a fricção alcoólica na remoção de esporos. Um dos trabalhos mais citados, publicado pela Cambridge University Press, mostrou que apenas a lavagem foi capaz de reduzir de forma consistente a carga de esporos nas mãos dos profissionais de saúde.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) reforça: quando há risco de exposição a patógenos formadores de esporos, como o C. difficile, a higienização deve ser feita com água e sabão.

Laudos internacionais: por que nem sempre servem para o Brasil

Nos Estados Unidos, diretrizes do CDC e de sociedades científicas como a SHEA e a IDSA apresentam nuances:

  • Em baixa endemicidade/rotina, o álcool gel é preferido;
  • Em surtos ou após contato com fezes, a recomendação volta a ser lavagem com água e sabão (CDC, 2024).

O problema é que, se importados sem ajuste, esses documentos podem induzir equipes brasileiras a acreditar que o álcool basta em qualquer situação — o que contraria a orientação normativa nacional (Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa, Nota Técnica 05/2024).

Além disso, a infraestrutura hospitalar dos EUA (pontos de lavagem abundantes, auditoria rigorosa de adesão) não é a mesma encontrada em muitos serviços brasileiros.

Diretrizes brasileiras: Anvisa é clara

No Brasil, quem estabelece as regras é a Anvisa. A Nota Técnica GVIMS/GGTES/DIRE3 nº 05/2024 orienta de forma inequívoca:

  • Durante surtos de C. difficile ou norovírus, a higienização deve ser feita com água e sabão.
  • A presença de dispensadores de álcool gel (RDC 42/2010) não substitui essa prática em cenários de risco.

O documento completo está disponível no portal da Anvisa. Além disso, recomenda-se disponibilizar pia funcional no ponto de cuidado em áreas de infecções por C. difficile e treinar/monitorar adesão com feedback.

Vegetativo x Esporo: a chave para entender

Grande parte da confusão sobre laudos e protocolos vem de uma diferença biológica:

  • O álcool 70% é eficaz contra a forma vegetativa da bactéria (quando ela está ativa e multiplicando);
  • No caso do C. difficile, a água e sabão têm como objetivo remover os esporos das mãos; a inativação desses esporos deve ocorrer nas superfícies com desinfetantes esporicidas registrados (EPA/Lista K).

“Na prevenção do Clostridioides difficile, não existe atalho: o álcool em gel não elimina esporos. O que protege de fato pacientes, profissionais e serviços de saúde é a lavagem adequada das mãos com água e sabão. Protocolos internacionais podem até variar, mas no Brasil a legislação é clara e deve ser seguida. Mais do que cumprir uma norma, estamos falando de salvar vidas.”
Viviane Bella.

Síntese prática

  • Rotina/baixa endemicidade: álcool gel preferido;
  • Surtos de C. difficile/contato fecal/mãos visivelmente sujas: água e sabão;
  • Sempre: precauções de contato + limpeza esporicida diária e na alta/transferência + uso criterioso de antibióticos.

Em tempos de busca por eficiência e protocolos rápidos, é fundamental não perder de vista o básico: para evitar surtos de C. difficile, nada substitui a lavagem adequada das mãos com água e sabão.

Referências Bibliográficas

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