Prescrever e tomar antibióticos de forma indiscriminada é um problema de saúde pública, que gera consequências econômicas e sociais. De acordo com novos dados do Centers for Disease Control and Prevention (CDC), órgão equivalente à ANVISA dos Estados Unidos, mais da metade dos antibióticos prescritos são desnecessários ou inapropriados. Segundo o levantamento, a prescrição de antibióticos não foi adequada em 79% dos pacientes com pneumonia, 77% dos pacientes com infecções do trato urinário, além de 47% das prescrições de fluroquinolona e 27% das prescrições de vancomicina intravenosa.
O uso inadequado destas drogas pode acarretar consequências indesejáveis, tais como a ocorrência de efeitos colaterais, aumento dos custos hospitalares e indução do surgimento de cepas resistentes. Neste sentido, há um alerta importante sobre a necessidade de se rever e melhorar a prescrição de antibióticos, otimizando a seleção da droga, reavaliando o tratamento – segundo resultados de microbiologia – e usando uma duração mais curta para terapia efetiva. Para saber mais sobre o uso inadequado de antimicrobianos, suas consequências e a resistência às doenças, preparamos este artigo. Acompanhe a leitura!
O que é resistência antimicrobiana?
Para começar, é importante saber que a resistência antimicrobiana ocorre quando microrganismos (bactérias, fungos, vírus e parasitas) sofrem alterações ao serem expostos a medicamentos antimicrobianos (como antibióticos, antifúngicos, antivirais, antimaláricos ou anti-helmínticos, por exemplo). Nestes casos, os microrganismos são conhecidos como ultra resistentes.
Como consequência, os medicamentos se tornam ineficazes e as infecções persistem no corpo do paciente, aumentando o risco de propagação a outras pessoas. Segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), a resistência antimicrobiana coloca em risco a eficácia da prevenção e do tratamento de um número cada vez maior de infecções por vírus, bactérias, fungos e parasitas, por isso ela representa uma ameaça crescente à saúde pública mundial e requer ação de setores do governo e da sociedade.
Dados sobre uso de antimicrobianos em hospitais
Grande parte dos pacientes internados (entre 25 a 40%), em algum momento da sua permanência no hospital, fez uso de algum tipo de antimicrobiano, seja de forma profilática ou terapêutica. Estes medicamentos são considerados, em alguns estudos, como o segundo tipo de fármaco mais prescrito em instituições hospitalares, além de serem responsáveis por 20 a 50% do custo total de tratamentos.
Qual a magnitude do problema do uso inadequado de antimicrobianos?
Como vimos acima, o uso de antimicrobianos é significativo nas instituições de saúde. Mas qual o tamanho do problema quando este uso é feito de forma inadequada?
Sabemos que cada vez mais inúmeros microrganismos têm desenvolvido o fenômeno da resistência aos fármacos, representando, assim, um constante desafio tanto para os pesquisadores, quanto para as indústrias farmacêuticas, que precisam disponibilizar novos fármacos antimicrobianos no mercado.
Como resultado, temos a diminuição da eficácia dos medicamentos, aumentando o tempo de internação e elevando o custo do tratamento. Trata-se de um efeito dominó que pode desencadear o aumento da morbimortalidade relacionada às infecções.
É fato que os antibióticos transformaram a prática da medicina, tornando infecções outrora letais facilmente tratáveis e possibilitando outros avanços médicos, como a quimioterapia contra o câncer e os transplantes de órgãos. O início imediato de antibióticos para tratar infecções reduz a morbidade e salva vidas, por exemplo, em casos de sepse.
No entanto, o problema está na maneira como os antibióticos são prescritos: cerca de 30% de todos os antibióticos prescritos em hospitais de cuidados intensivos nos Estados Unidos são desnecessários ou abaixo do ideal.
Na tabela abaixo, separamos algumas recomendações para evitar a resistência microbiana em áreas de assistência à saúde.
Prevenção a Infecção | 1. Vacinação; 2. Retirada de cateteres vasculares o mais breve possível; 3. Estimular boas práticas de higiene das mãos; 4. Estimular boas práticas de limpeza e desinfecção das superfícies; |
Diagnosticar e tratar a infecção de forma efetiva | 5. Direcionar o tratamento para o agente etiológico; 6. Consultar os especialistas em doenças infecciosas; |
Uso racional de antimicrobianos | 7. Praticar o controle de antimicrobianos; 8. Utilizar os dados locais de resistências antimicrobiana; 9. Tratar a infecção para prevenir a contaminação; 10. Evitar uso de medicamentos de amplo espectro; 11. Suspender o tratamento quando a infecção for curada; |
Prevenir a transmissão | 12. Isolar o patógeno; 13. Quebrar cadeia de transmissão. |
O que é o Programa Antibiotic Stewardship em hospitais?
Em 2019, foi desenvolvido o Antibiotic Stewardship, um programa de gerenciamento do uso de antimicrobianos com o objetivo de reunir um conjunto de práticas efetivas de combate à resistência microbiana. O programa, mundialmente inserido, tem como premissas:
- Otimizar a prescrição nos serviços de saúde, para garantir o efeito farmacoterapêutico máximo;
- Reduzir a ocorrência de eventos adversos nos pacientes, como por exemplo infecções;
- Prevenir a seleção e a disseminação de microrganismos resistentes e, assim, diminuir os custos da assistência.
No entanto, apesar das ações de Stewardship apresentarem grande impacto clínico e, secundariamente, econômico para o cenário assistencial hospitalar, ainda há, no país, instituições que não possuem acesso ao programa ou até mesmo não o colocam em prática no dia a dia.
Este programa é composto por quatro pilares fundamentais para a aplicação adequada da antibioticoterapia:
- Droga adequada (quando indicada);
- Dose correta;
- Descalonamento;
- Duração apropriada da terapia.
É sabido que a aplicação de um programa tão robusto como este representa uma quebra de cultura dentro das instituições, que precisam repensar o uso dos antimicrobianos. Como em todo processo de quebra de cultura, será necessário tempo e dedicação para a instituição se adequar às indicações e propostas de restrição a alguns antimicrobianos.
Diante disso, esta tarefa se torna ainda mais difícil dentro de hospitais comunitários, que precisam adequar as recomendações dos guidelines às suas realidades, visto que as comissões de controle de infecção são formadas por poucas pessoas, que precisam trabalhar cada melhoria gradualmente.
Elementos essenciais para seguir o programa de Antibiotic Stewardship
- Apoio da alta direção do hospital;
- Definição de responsabilidades de todos os profissionais envolvidos;
- Educação;
- Desenvolvimento de ações para melhorar a prescrição de antimicrobianos;
- Monitoramento do programa;
- Divulgação de resultados.
(Anvisa, 2019)
Vale destacar que para que o programa funcione é essencial que haja educação continuada e auditorias presenciais recorrentes.
Outro ponto fundamental é o papel do farmacêutico na implantação de um programa de Stewardship. O profissional deve atuar juntamente com uma equipe multidisciplinar, em diferentes aspectos de intervenção da prescrição, como:
- Padronização;
- Aquisição;
- Manipulação;
- Distribuição;
- Criação de guias terapêuticos;
- Educação e feedback para o corpo clínico;
- Análise de eventos adversos e custos.
Dessa forma, é possível garantir a melhoria da qualidade da assistência ao paciente e colaborar para a redução de multirresistência dos agentes infecciosos nas instituições de saúde.
Para finalizar, é importante ressaltar que, aos poucos, as instituições vêm realizando mudanças importantes no fluxo de administração dos antimicrobianos, otimizando sua seleção, dose e duração. Essas medidas ajudam a reduzir os custos com tratamentos antimicrobianos e também colaboram na redução de eventos adversos, índices de resistência, morbidade e mortalidade.
Até o próximo!
Referências:
Anvisa: Avaliação Nacional dos Programas de Gerenciamento do Uso de Antimicrobianos em Unidade de Terapia Intensiva Adulto dos Hospitais Brasileiros http://antigo.anvisa.gov.br/documents/33852/271855/Projeto+Stewardship+Brasil/435012dc-4709-4796-ba78-a0235895d901?version=1.0
Brasil. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Kawagoe JY and Gonçalves P. Prevenção e controle de infecção para a Segurança do Paciente e Qualidade em Serviços de Saúde. In: Assistência Segura: Uma Reflexão Teórica Aplicada à Prática. Capítulo 11. P. 143-155 Brasília: Anvisa, 2017. Disponível em: eferências:
https://www.scielo.br/j/ramb/a/cCXZ8vF8mpBTHFypyt73yZQ/?lang=pt
Burgess LH et cols. Phased implementation of an antimicrobial stewardship program for a large community hospital system. Americam Journal of infection control 47 (2019) 69-73.
Barlam TF et als. Implementing an Antibiotic Stewardship Program: Guidelines by the Infectious Diseases Society of America and the Society for Healthcare Epidemiology of America. Clinical Infectious Diseases. IDSA Guideline. May 2016. Disponível em: https://www.idsociety.org/globalassets/idsa/practice-guidelines/implementing-an-antibiotic-stewardship-program-guidelines-by-the-infectious-diseases-society-of-america-and-the-society-for-healthcare-epidemiology-of-america.pdf
CDC. Core Elements of Hospital Antibiotic Stewardship Programs. Atlanta, GA: US Department of Health and Human Services, CDC; 2019. Disponível em: https://www.cdc.gov/antibiotic-use/core-elements/hospital.html
OPAS.Organização Pan americana Da Saúde; OMS Disponível em: https://www.paho.org/pt/topicos/resistencia-antimicrobiana#:~:text=A%20RAM%20ocorre%20quando%20microrganismos,antimicrobianos%20s%C3%A3o%20conhecidos%20como%20ultrarresistentes.