Brasil inaugura maior biofábrica do mundo de mosquitos com Wolbachia
Brasil inaugura maior biofábrica do mundo com mosquitos Wolbachia, tecnologia segura e eficaz no combate à dengue, zika e chikungunya.
Cris Collina
25/07/2025
O que diz a ciência sobre a tecnologia que promete reduzir a dengue
O Brasil deu um passo ousado e inovador no combate às arboviroses ao inaugurar, no dia 19 de julho de 2025, a Wolbito do Brasil, a maior biofábrica do mundo dedicada à criação do mosquito Aedes aegypti inoculado com a bactéria Wolbachia. A iniciativa representa um marco mundial na biotecnologia aplicada à saúde pública e na luta contra doenças como dengue, chikungunya e zika.
Localizada no Paraná, a unidade é fruto de uma parceria entre o Instituto de Biologia Molecular do Paraná (IBMP) e o World Mosquito Program (WMP) — iniciativa global com sede na Austrália e apoio no Brasil da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Com capacidade de produção de 100 milhões de ovos de mosquito por semana, a biofábrica atenderá inicialmente ao Ministério da Saúde, que define os municípios beneficiados com base nos dados epidemiológicos.
A ciência por trás da Wolbachia
A tecnologia não envolve engenharia genética ou transgenia. A inovação está na inoculação dos mosquitos com a bactéria Wolbachia pipientis, que ocorre naturalmente em cerca de 60% dos insetos da Terra, mas não está presente no Aedes aegypti.
De acordo com Marielly Herrera, enfermeira e consultora da unidade de prevenção de infecções da Oleak, “a Wolbachia impede a multiplicação dos vírus da dengue, chikungunya e zika dentro do mosquito, bloqueando a transmissão para os seres humanos de forma segura e natural.”
Estudos científicos robustos sustentam essa abordagem:
- Uma pesquisa realizada em Yogyakarta, na Indonésia, publicada no New England Journal of Medicine (2021), demonstrou uma redução de 77% nos casos de dengue e 86% nas hospitalizações após a introdução dos mosquitos com Wolbachia.
- Resultados similares foram encontrados em estudos publicados em revistas como Nature, Science Reports e Cell Host & Microbe.
Segundo a Fiocruz, a Wolbachia não é capaz de sobreviver fora das células dos insetos e não é transmissível para humanos.
Além disso, os mosquitos com Wolbachia apresentam vantagem reprodutiva, o que permite que a bactéria se propague na população de Aedes aegypti ao longo do tempo, sem a necessidade de aplicações repetidas.
Exemplos bem-sucedidos
Segundo o Ministério da Saúde, a cidade de Niterói (RJ) recebeu o Método Wolbachia e o resultado foi a redução de 69,4% dos casos de dengue, 56,3% dos casos de chikungunya e 37% dos casos de Zika na cidade. Outras localidades do país também estão se valendo do método, como Rio de Janeiro (RJ), Campo Grande (MS), Petrolina (PE), Joinville (SC), Foz do Iguaçu (PR) e Londrina (PR).
O trabalho de engajamento comunitário começará a ser realizado em breve também em Uberlândia (MG), Presidente Prudente (SP) e Natal (RN).
Impacto social e ambiental: foco na Bacia do Paraopeba
A tecnologia também está sendo implementada em cidades da bacia do rio Paraopeba (MG), região duramente afetada pelo rompimento da barragem de Brumadinho em 2019.
Com financiamento do Acordo de Reparação firmado com a Vale, o projeto busca enfrentar não só as arboviroses, mas também promover justiça ambiental e reconstrução da saúde pública em áreas vulneráveis.
Municípios como Esmeraldas, Igarapé, Juatuba, Mateus Leme e São Joaquim de Bicas já começaram a receber mosquitos com Wolbachia, acompanhados de ações de educação em saúde e engajamento comunitário, sob coordenação da Fiocruz Minas.
Economia e saúde pública
Segundo estimativas da Fiocruz, cada R$ 1 investido no método pode gerar uma economia entre R$ 43 e R$ 549 ao sistema de saúde, ao evitar internações, medicamentos e mortes.
Essa relação de custo-benefício é particularmente importante diante de surtos massivos como o de 2024, quando o país ultrapassou 6,8 milhões de casos de dengue e 3 mil mortes — um recorde histórico.
Para Marielly Herrera, a biotecnologia representa uma ferramenta fundamental no enfrentamento de um problema que “exige múltiplas estratégias, investimento sustentável e participação ativa da comunidade.”
Expansão em curso
Com a nova biofábrica, a meta é ampliar a liberação dos mosquitos para cidades como Presidente Prudente (SP), Uberlândia (MG), Natal (RN), Balneário Camboriú (SC), Blumenau (SC) e Brasília (DF). As liberações devem começar ainda no segundo semestre de 2025.
Todo o processo é precedido por treinamentos técnicos, ações de mobilização social e diálogo com lideranças locais, já que o apoio da população é considerado essencial para o sucesso do projeto.
Complementariedade com os métodos tradicionais
O método não substitui a eliminação dos criadouros do mosquito, uma vez que segundo a Fiocruz, os ovos podem sobreviver até 450 dias em ambientes secos, após serem postos no ambiente pelas fêmeas do mosquito Aedes aegypti.
Essa resistência permite que os ovos sejam transportados a grandes distâncias em recipientes secos e sobrevivam por um ano inteiro até o próximo verão. Com a chegada do clima quente e chuvoso, os ovos podem dar origem a novos mosquitos.
O Ministério da Saúde reforça que a população deve continuar adotando cuidados básicos como eliminação de água parada e atenção à limpeza urbana.
A bactéria Wolbachia não infecta seres humanos nem afeta o meio ambiente, o que faz da técnica uma alternativa segura, ecológica e sustentável para o controle de arboviroses.
Evolução recente da dengue no Brasil
Ano | Casos Prováveis | Mortes Confirmadas |
2020 | 1.468.791 | 839 |
2021 | 544.460 | 372 |
2022 | 1.429.421 | 1.053 |
2023 | 4.513.899 | 1.094 |
2024 | 6.851.694 | 3.014 |
Fonte: Painel de Arboviroses – Ministério da Saúde (atualizado em julho de 2025)
Fatores que contribuem para o agravamento
- Mudanças climáticas, com aumento de chuvas e temperaturas;
- Urbanização desordenada e deficiência de saneamento básico;
- Circulação simultânea dos quatro sorotipos da dengue (DEN-1 a DEN-4);
- Baixa adesão da população aos cuidados preventivos e campanhas.
Check-list contra a Dengue

Desafios futuros
Apesar dos avanços, o combate à dengue exige ações permanentes, inclusive nos períodos de baixa incidência.
Marielly reforça que a vacinação ainda é um desafio a ser vencido uma vez que não está disponível para todos no Sistema Único de Saúde (SUS), devido à baixa disponibilidade mundial do insumo.
Incorporada ao Programa Nacional de Imunizações (PNI) no final de 2023, a Qdenga está disponível no SUS (gratuitamente) para crianças e adolescentes de 10 a 14 anos, faixa etária que concentra o maior número de hospitalizações por dengue após os idosos (o imunizante não foi liberado pela Anvisa para pessoas acima de 60 anos). Segundo o Ministério da Saúde, não há previsão de ampliação da faixa etária do público-alvo.
A integração entre inovação científica, políticas públicas e mobilização social será fundamental para consolidar os ganhos dessa nova tecnologia.
A criação da biofábrica representa uma virada de chave histórica: o Brasil assume protagonismo global no uso da ciência para transformar o cenário das arboviroses.