Suberbactérias

Superbactérias desafiam a ciência e podem causar 39 milhões de mortes até 2050 

Superbactérias avançam no mundo e podem causar até 39 milhões de mortes até 2050. OMS alerta: sem ação global, a medicina moderna corre risco.

Cris Collina
02/07/2025
6 minutos de leitura

Em 2024, a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou a Lista de Patógenos Bacterianos Prioritários (BPPL – Bacterial Priority Pathogens List), com 15 famílias de bactérias resistentes a antibióticos, agrupadas em categorias críticas, altas e médias para priorização. A lista fornece orientações sobre o desenvolvimento de tratamentos novos e necessários para interromper a disseminação da resistência antimicrobiana (RAM).

Na categoria crítica, destacam-se:

  • Bactérias Gram-negativas resistentes aos antibióticos de último recurso (como carbapenêmicos e cefalosporinas de 3ª e 4ª geração);
  • Mycobacterium tuberculosis resistente à rifampicina.   

Estas são prioritárias por causa da alta mortalidade associada, da dificuldade de tratamento e da capacidade de transferência genética de resistência.

Na categoria alta, encontramos:

  • Salmonella spp.;        
  • Shigella spp.;
  • Enterococcus faecium;
  • Pseudomonas aeruginosa;
  • Staphylococcus aureus resistente (como MRSA).

Já os microrganismos de prioridade média, como formações de Streptococcus que surgiram em 2024, também são preocupantes, especialmente para populações vulneráveis.

Marielly Herrera, enfermeira e consultora Técnica da Divisão de Prevenção de Infecções da Oleak irá abordar mais sobre o assunto, boa leitura!

Impactos mortais e projeções alarmantes

Um estudo global abrangente, publicado na The Lancet Infectious Diseases, estimou que em 2019 as infecções por bactérias super-resistentes causaram:

  • Cerca de 1,27 milhão de mortes atribuíveis diretamente à AMR (resistência antimicrobiana);
  • E 4,95 milhões de mortes associadas (em que a resistência foi fator contribuinte).

Projeções indicam cenários ainda mais sombrios:    

Gráfico, Gráfico de linhas

O conteúdo gerado por IA pode estar incorreto.

·   O gráfico aponta que a cada ano, entre 2025 e 2050, mais de 1 milhão de mortes são causadas diretamente por infecção resistente.

·   Até 8 milhões de mortes por ano em 2050 quando considerados todos os casos associados—totalizando cerca de 39 milhões de mortes entre 2025 e 2050, a menos que medidas sejam tomadas para melhorar a qualidade da assistência médica, prevenir infecções, reduzir o uso inadequado de antibióticos e desenvolver novos antibióticos.

Esses números tornam a resistência antimicrobiana comparável a pandemias e crises globais de saúde.

Causas e fatores de risco

Uso inadequado de antibióticos

O uso excessivo e indiscriminado de antibióticos — seja no tratamento de humanos, na criação de animais ou na agricultura — gera uma pressão seletiva que favorece a sobrevivência e multiplicação de bactérias resistentes. Além disso, estudos apontam que alguns produtos de uso cotidiano, como cosméticos, maquiagens, shampoos e condicionadores, podem conter substâncias antimicrobianas — muitas vezes sem o devido aviso ao consumidor —, contribuindo silenciosamente para o aumento da resistência bacteriana no ambiente.

Falta de acesso em regiões vulneráveis

Cerca de 1.5 milhão de infecções graves por bactérias resistentes (como as Gram-negativas resistentes a carbapenêmicos) ocorreram em países de renda baixa e média em 2019.

Menos de 7 % desses casos tiveram acesso a medicamentos apropriados, o que não apenas aumenta a mortalidade (estimada em quase 480 mil mortos), como promove o surgimento de mais resistências.

Ambiente e resistência emergente

A resistência bacteriana não se limita ao uso direto de antibióticos — o meio ambiente também desempenha um papel central na propagação desses genes. Um estudo da Universidade de Bath, no Reino Unido, demonstrou que mesmo durante períodos de redução no uso de antibióticos, como os lockdowns da pandemia de COVID-19, os genes de resistência continuaram circulando amplamente no ambiente. Isso acontece, em grande parte, devido à presença de resíduos farmacêuticos e bactérias resistentes nos efluentes hospitalares, no esgoto doméstico e nas estações de tratamento de água, que muitas vezes não são eficazes em eliminar completamente esses microrganismos ou os genes que eles carregam.

Além disso, outro estudo preocupante revelou que microplásticos — partículas minúsculas de plástico presentes em oceanos, rios, solos e até no ar — podem servir como superfície de aderência para biofilmes bacterianos. Esses biofilmes favorecem a troca de material genético entre bactérias, incluindo genes de resistência, funcionando como uma “ponte” que acelera o surgimento de superbactérias. Esse fenômeno é ainda mais crítico em áreas com saneamento básico deficiente, onde há maior exposição da população a água e alimentos contaminados.

Essas descobertas mostram que, mesmo fora do ambiente hospitalar, a resistência antimicrobiana pode continuar evoluindo silenciosamente, alimentada por fatores ambientais muitas vezes negligenciados nas políticas públicas de saúde.

Conflitos e surtos locais

Em zonas de guerra, como Ucrânia e Gaza, bactérias como Klebsiella pneumoniae hipervirulentas e resistentes (inclusive “resistentes a todos os antibióticos disponíveis”) vêm se espalhando rapidamente, impulsionadas por condições insalubres nos hospitais de campanha.

Principais agentes da crise

Bactérias Gram-negativas resistentes: os vilões ocultos da era pós-antibióticos

Entre os micro-organismos mais temidos na crise da resistência antimicrobiana estão as bactérias Gram-negativas produtoras de carbapenemase, enzimas capazes de inativar os antibióticos de última linha, como os carbapenêmicos. Dentro desse grupo, destacam-se três variantes especialmente perigosas:

  • NDM-1 (New Delhi metalo-β-lactamase-1) – detectada pela primeira vez na Índia, hoje já presente em diversas cidades do Estado de São Paulo;
  • KPC (Klebsiella pneumoniae carbapenemase) – historicamente associada a surtos hospitalares graves;
  • VIM (Verona integron-encoded metallo-β-lactamase) – menos conhecida pelo público, mas igualmente preocupante.

Essas enzimas tornam as infecções resistentes aos antibióticos mais potentes disponíveis, dificultando — ou até impossibilitando — o tratamento de condições comuns como infecções urinárias, pneumonias, septicemias e faringites bacterianas. A mortalidade em infecções de corrente sanguínea por esses patógenos pode ultrapassar 50%.

Um agravante muitas vezes negligenciado é que a detecção desses mecanismos de resistência não ocorre em exames laboratoriais de rotina. Para identificar se uma bactéria produz NDM, KPC ou VIM, é necessário realizar pesquisas laboratoriais específicas, com técnicas de biologia molecular ou testes fenotípicos especializados. No entanto, nem todos os serviços de saúde contam com estrutura ou capacitação para realizar esse tipo de investigação.

Essa limitação pode resultar em uma subnotificação expressiva, mascarando a real prevalência dessas superbactérias e dificultando a implementação de medidas de controle eficazes. É um cenário de risco silencioso, onde infecções potencialmente letais circulam sem que saibamos exatamente sua extensão — o que compromete não só o tratamento dos pacientes, mas também a saúde pública como um todo.

Mycobacterium tuberculosis

Formas resistentes à rifampicina são classificadas como críticas e exigem terapias longas e caras, muitas vezes com falhas de resposta.

Outros patógenos emergentes

  • Clostridioides difficile cepas resistentes a ciprofloxacino e metronidazol têm causado surtos de formidável toxicidade e gravidade.

·   Serratia marcescens – Trata-se de uma bactéria oportunista com resistência intrínseca a diversos antibióticos, além de produzir lipopolissacarídeos e formar biofilmes que dificultam ainda mais o tratamento. É especialmente preocupante em ambientes hospitalares, onde pode causar infecções graves, como pneumonias, infecções urinárias e septicemias, principalmente em pacientes imunossuprimidos ou com dispositivos invasivos.

Nos últimos anos, tem-se observado um aumento na identificação de cepas resistentes de Serratia, o que está diretamente relacionado à ampliação da solicitação de pesquisas laboratoriais específicas. Esse fato reforça a importância de que o time de saúde — especialmente infectologistas, microbiologistas e profissionais de controle de infecção — atue de forma proativa, solicitando testes complementares e investigando mecanismos de resistência com profundidade. Sem essa vigilância ativa, muitos casos podem passar despercebidos, contribuindo para a propagação silenciosa da resistência dentro dos serviços de saúde.

Avanços científicos e novos tratamentos

Novos antibióticos

Pesquisadores de Harvard anunciaram em março de 2025 um composto sintético promissor, eficaz contra infecções resistentes em testes pré-clínicos — um sinal positivo de renovação na pesquisa.

Terapias inovadoras

  • Uma proteína antimicrobiana da hemolinfa de ostras Sydney Rock mostrou potencial para multiplicar a eficácia de antibióticos convencionais (“até 32 vezes”) contra Pseudomonas aeruginosa e Klebsiella pneumoniae em modelos laboratoriais.
  • Métodos avançados baseados em inteligência artificial (IA) estão sendo aplicados em pipelines para descobrir novos alvos e compostos antibióticos.
  • Pesquisas em terapias de próxima geração — como fagoterapia, CRISPR antimicrobiano e moléculas específicas ao microbioma — estão ganhando força em projetos de saúde pública.

Estratégias recomendadas para o enfrentamento

Acesso universal aos medicamentos

O estudo da GardP, publicado no The Gardian ressalta que expandir o acesso às terapias adequadas salva vidas e reduz a seleção de resistências. É defendido um modelo similar à luta contra o HIV, com licenciamento voluntário ampliado globalmente.

Uso racional de antibióticos

Redução indiscriminada não basta – é essencial melhorar a higiene, diagnóstico e vigilância. No período pandêmico, mesmo com menos prescrições, os genes de resistência persistiram no ambiente.

Investimento em pesquisa e inovação

Há necessidade urgente de ampliar o incentivo a novos fármacos e tecnologias — sejam baseadas em IA, base biológica (ostracismo, fagos) ou químicas sintéticas —, além da produção sustentável de antibióticos acessíveis.

Vigilância global e sanitização

Marielly reforça que melhorar o monitoramento ambiental, hospitalar e alimentar (e.g., microplásticos) é vital. Defesa em zonas de conflito, saneamento básico e ações coordenadas podem conter surtos e reduzir riscos.

Uma questão de sobrevivência   

Linha do tempo

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A medicina contemporânea – de cirurgias a terapias intensivas – depende da eficácia dos antibióticos. A falha coletiva em impedir a expansão de bactérias altamente resistentes ameaça reverter avanços centenários na saúde.

É hora de priorizar o acesso global, promover pesquisa disruptiva e reforçar políticas de saúde pública para evitar uma crise sanitária ainda mais profunda. O futuro da medicina pode depender disso.

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