O que sabemos sobre o risco e potencial pandêmico
O vírus Marburg, descoberto pela primeira vez em 1967, pertence à família Filoviridae, a mesma do vírus Ebola. Desde então, tem sido uma preocupação significativa na saúde global devido à sua alta taxa de letalidade em humanos, que pode chegar a 90% em surtos, embora a taxa média de letalidade seja de 50%.
No Brasil, embora o Marburg ainda não tenha sido registrado, o risco de sua introdução, principalmente com o aumento das viagens internacionais e globalização, coloca as autoridades em alerta.
Neste artigo Regiane Gonzalez Alves, enfermeira e gerente comercial da Oleak, examina a história do vírus, os sinais e sintomas da infecção, os riscos de disseminação no Brasil, além de trazer estudos que evidenciam a seriedade dessa ameaça.
O que é o vírus Marburg?
O vírus Marburg foi identificado pela primeira vez após surtos simultâneos em Marburg e Frankfurt, na Alemanha, e em Belgrado, na então Iugoslávia. O surto foi associado ao contato com macacos infectados provenientes de Uganda.
Rousettus aegyptiacus, um morcego frugívoro da família Pteropodidae, é considerado o hospedeiro natural do vírus Marburg. O vírus Marburg é transmitido às pessoas por morcegos frugívoros e se espalha entre humanos por meio da transmissão de humano para humano.
O vírus é transmitido por meio do contato com fluidos corporais de pessoas ou animais infectados. Ele também pode ser transmitido por meio do contato com superfícies e materiais contaminados, como roupas de cama.
Como o Ebola, o vírus Marburg causa febre hemorrágica grave.
Sintomas e tratamento
O período de incubação (intervalo entre a infecção e o início dos sintomas) varia de 2 a 21 dias. Os sintomas iniciais incluem febre alta, cefaleia intensa e mal-estar grave. Dores musculares são uma característica comum. Diarreia aquosa grave, dor abdominal e cólicas, náuseas e vômitos podem começar no terceiro dia. Erupção cutânea sem coceira foi relatada em pacientes entre 2 e 7 dias após o início dos sintomas.
A partir do dia 5 da doença, os pacientes podem desenvolver manifestações hemorrágicas, incluindo sangue fresco no vômito e nas fezes, sangramento do nariz, gengivas e vagina. Sangramento nos locais de punção venosa (onde o acesso intravenoso é obtido para administrar fluidos ou obter amostras de sangue) também pode ser observado. O envolvimento do sistema nervoso central pode resultar em confusão, irritabilidade e agressão. Orquite (inflamação de um ou ambos os testículos) foi relatada ocasionalmente na fase tardia da doença.
Em casos fatais, a morte ocorre mais frequentemente entre 8 e 9 dias após o início dos sintomas, geralmente precedida por perda grave de sangue e choque.
Não há tratamento específico ou vacina aprovada para o vírus Marburg, mas uma variedade de vacinas e terapias medicamentosas estão em desenvolvimento, tornando o controle de surtos um grande desafio para as autoridades de saúde pública.
Casos recentes e a ameaça global
Embora o vírus Marburg tenha sido historicamente restrito à África, surtos esporádicos continuaram a ocorrer. Entre os países afetados por surtos mais recentes estão Uganda, Angola, e, em 2023, Gana, onde dois casos confirmados resultaram em mortes, chamando a atenção da Organização Mundial da Saúde (OMS). A propagação do vírus e sua alta taxa de mortalidade reforçam seu potencial pandêmico.
Um incidente que recentemente trouxe o vírus Marburg ao centro das atenções internacionais foi o fechamento parcial da estação central de trem de Hamburgo, na Alemanha, em resposta a uma possível exposição.
Neste mês de outubro de 2024, Ruanda enfrenta um surto significativo do vírus Marburg. O ministro da saúde de Ruanda, Sabin Nsanzimana, destacou a importância de intensificar o rastreamento de contatos e os testes para conter a propagação do vírus.
Este surto ressalta a vulnerabilidade global em relação ao vírus, principalmente em países com alta circulação de pessoas, como o Brasil.
O Risco de Introdução do Marburg no Brasil
O Brasil, com sua posição geográfica e seu papel de hub internacional de viagens, não está isento do risco de introdução de patógenos perigosos como o vírus Marburg.
O aumento do número de voos entre países africanos e o Brasil aumenta a possibilidade de que o vírus seja transportado por viajantes infectados.
Além disso, a falta de familiaridade dos profissionais de saúde locais com o diagnóstico e manejo de doenças raras como o Marburg pode dificultar a identificação precoce e o controle de surtos.
Estudos apontam que, apesar de o Marburg não ter histórico no Brasil, a globalização e as mudanças climáticas têm favorecido a propagação de doenças infecciosas. Doenças como dengue, zika e chikungunya, que antes eram limitadas a áreas tropicais, expandiram-se para regiões não endêmicas.
Nesse contexto, as autoridades de saúde devem estar preparadas para possíveis casos importados de doenças emergentes como o Marburg.
Um artigo publicado pelo Instituto de Infectologia Emílio Ribas alerta para a necessidade de reforçar a vigilância epidemiológica em portos e aeroportos para doenças raras, incluindo o Marburg, a fim de evitar a disseminação descontrolada.
Estudos e estratégias de controle
Pesquisadores têm buscado entender melhor a biologia do vírus Marburg e como ele pode ser controlado. Um estudo publicado pela The Lancet, Primeiro surto do vírus Marburg em Ruanda: ações urgentes necessárias (título traduzido), reforça que em 27 de setembro de 2024, o Ministério da Saúde de Ruanda confirmou o primeiro surto da doença do vírus Marburg no país. Em 14 de outubro de 2024, houve 62 casos relatados e 15 mortes pelo vírus, necessitando de intervenções imediatas de saúde pública para conter esse surto e garantir a segurança da saúde regional e global. É necessária uma ação imediata para conter o surto do vírus Marburg em Ruanda. Os esforços combinados do público, dos profissionais de saúde, das colaborações internacionais e das autoridades governamentais ruandesas são essenciais para evitar uma escalada catastrófica da crise.
A OMS tem atuado em conjunto com governos de países africanos para conter surtos locais, mas a comunidade científica alerta que surtos futuros podem ocorrer em qualquer lugar do mundo, se não forem tomadas medidas preventivas globais.
No Brasil, pesquisadores da Fiocruz estão monitorando a evolução de doenças emergentes e reforçando os protocolos de biossegurança em centros de pesquisa e hospitais.
No entanto, o Brasil ainda enfrenta desafios em relação à falta de recursos para pesquisas avançadas e produção de vacinas. O tempo de resposta para surtos, que já foi um problema em epidemias passadas como a de zika, continua sendo uma preocupação.
Mesmo com o alerta global para o Marburg, o país precisa fortalecer seu sistema de saúde para estar preparado para o pior cenário possível.
Sinais de alerta e o que fazer em caso de suspeita
Embora o Marburg ainda não tenha sido identificado no Brasil, é essencial que a população e os profissionais de saúde estejam cientes dos sintomas da doença. As autoridades de saúde devem divulgar protocolos para que médicos e enfermeiros identifiquem e isolem casos suspeitos imediatamente.
Alguns dos sinais que podem indicar uma infecção por Marburg como relatamos acima, incluem febre alta, sangramentos inexplicáveis e contato recente com regiões ou pessoas onde o vírus foi relatado. Se uma pessoa tiver esses sintomas após visitar áreas endêmicas, é importante procurar atendimento médico imediatamente e informar sobre seu histórico de viagem.
Regiane salienta que medidas preventivas, como evitar contato com fluidos corporais de pessoas doentes e usar equipamentos de proteção individual em ambientes de risco, são cruciais para impedir a transmissão do vírus.
O vírus Marburg é uma ameaça real à saúde pública mundial devido à sua alta taxa de letalidade e capacidade de causar surtos significativos. Embora o Brasil ainda não tenha registrado casos do vírus, a sua introdução é possível, especialmente devido ao aumento das viagens internacionais e à falta de familiaridade dos profissionais de saúde com essa doença rara.
Estudos têm mostrado que é necessário reforçar a vigilância, preparar o sistema de saúde para uma resposta rápida e investir em pesquisas para o desenvolvimento de vacinas e tratamentos eficazes. A preparação é essencial para evitar que um surto de Marburg cause um impacto devastador no Brasil, como já aconteceu em outros países. O aprendizado de surtos anteriores, juntamente com uma vigilância ativa, pode ajudar a minimizar o risco e proteger a população.